"A matemática ajuda a admirar o mundo de uma outra maneira", diz matemático

Maio foi um mês especial não só para o matemático Jackson Itikawa, como para a ciência no geral. O professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP (ICMC), em São Carlos, venceu a etapa brasileira do FameLab, uma das maiores competições de divulgação científica do mundo, idealizada pelo British Council. Neste ano, o primeiro no qual o Brasil participou, o evento contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Na competição, de forma brincalhona e usando o exemplo do próprio hotel onde ficou hospedado, Jackson explicou como vários conjuntos infinitos poderiam caber dentro de um conjunto infinito — um paradoxo matemático criado pelo matemático alemão David Hilbert. “O hotel de Hilbert tem infinitos quartos e, mesmo se estes quartos estiverem todos ocupados, você consegue um novo”, explicou ele, que encantou o júri e a plateia. Agora, Jackson está na Inglaterra, onde deve fazer duas apresentações diferentes, nos dias 7 e 12 junho. [Acompanhe a final neste link.

Veja a apresentação dele no vídeo abaixo (ou clique aqui) e acompanhe a conversa sobre a beleza da matemática e como ela pode se relacionar a temas como religião e filosofia


Muita gente acha que muito do que se estuda na matemática não é aplicável na vida real. Uma piada famosa é aquela do: “Mais um dia se passou e eu não usei a fórmula de Báskara”. Qual importância dos estudo teóricos da matemática?

Eu sempre acho muito válido quando alguém pergunta para que serve a matemática. Mas quando a humanidade cria arte, música ou teatro, por exemplo, ninguém pensa em como isso pode ser aplicado na vida real. Eu acho que a matemática também oferece essa possibilidade, ela oferece uma maneira de enxergar o mundo que não é habitual. Acho que ela cumpre estes dois papéis: o de ser aplicada às necessidades que temos, mas também nisso de admirar as coisas de uma outra maneira.

Tem um exemplo bonito no livro The Divine Proportion, do H.E. Huntley. Ele diz que a beleza do arco-íris é acessível a todos. Mas quem sabe que em cada gotícula de água ali presente acontece um fenômeno chamado de refração que é reponsável por dividir a luz naquele espectro de cores tem uma experiência diferente. Esse conhecimento faz com que você tenha acesso a um outro nível de beleza.

Uma outra dica legal de como a matemática pode servir para enxergar o mundo com outros olhos e, em particular, para perceber a arte com outros olhos, é a série Arte & Matemática, produzida pela TV Cultura e apresentada pelo brilhante Luiz Barco. Um artigo do professor Tom Marar, daqui do ICMC, que trata de uma obra de arte chamada Unidade Tripartida, que ganhou uma bienal de arte, também pode ser interessante. [Leia o artigo aqui.] 
 
Agora falando sobre a seu pós-doutorado, poderia explicar sobre o que você estuda?
Meu pós-doutorado é em uma coisa chamada teoria qualitativa de equações diferenciais. Estas equações diferenciais servem para modelar qualquer tipo de fenômeno, desde físicos (El Niño, órbitas dos planetas, etc), até biológicos (competição entre predador e presa, por exemplo, ou a atividade neuronal), químicos (interações e reações entre substâncias químicas), engenharia, economia e muitos outros campos do conhecimento humano.
 
Então, de forma prática, os resultados da sua pesquisa poderiam ajudar tanto o meio ambiente quanto na construção de um prédio?
De fato, a minha pesquisa está ligada a um problema que se chama o 16º problema de Hilbert. O Hilbert foi um grande matemático alemão que fez uma lista de 23 problemas, que poderiam guiar a matemática do século 20. E muitos destes problemas tinham relações com aplicações reais. Esse problema em particular, o 16º, estuda a periodicidade do fenômeno El Niño. Outras aplicações que eu já vi dessa teoria qualitativa são nas atividade dos neurônios, que podem ser modeladas e estudadas.
 
Na sua apresentação no FameLab você falou sobre números infinitos. Qual é a relação deles com a sua pesquisa?
Na verdade, eles não têm uma relação. As equações diferenciais são o outro extremo do infinito, que é o infinitamente pequeno. E lá eu falei de infinitamente grande. Mas agora na apresentação da Inglaterra, preciso de dois novos temas. E acho que vou conseguir relacionar com minha pesquisa, porque virtualmente podemos modelar tudo. E encontrei um material de um pesquisador do MIT que modela o amor num certo sentido.
 
E como essa questão dos infinitos se relaciona com a filosofia?
O matemático Georg Cantor foi o principal responsável pelo início das pesquisas sobre conjuntos infinitos. Ele dizia, por exemplo, que um subconjunto tem o mesmo tamanho de um conjunto com tamanho infinito. É uma coisa que na época era inovador até para os matemáticos colegas dele. Ele acabou recebendo muitas críticas.

Cantor mostrava que existiam infinitos de tamanhos diferentes. Um exemplo é que o infinito dos números naturais (0,1,2,3…) é menor do que o infinito dos números reais (que além do 0,1,2,3, tem também o pi, a raiz quadrada de 2, etc…).Se você tenta relacionar cada elemento dos números naturais com cada elemento dos números reais, vai sobrar elementos dos naturais.
Então, a filosofia e a religião entram nesta história porque, se Deus é infinito, qual destes infinitos ele é? Dos naturais ou dos reais? Tem um infinito que seria o maior de todos e esse seria Deus? Você vai obtendo conjuntos cada vez mais infinitos e essa cadeia nunca acaba? Foram questionamentos que, na época, a filosofia fez.

Você acha importante essa relação entre as áreas diferentes do conhecimento?
Acho que é interessante mostrar que existem estas relações para quem está começando a estudar. Uma relação que eu acho muito bacana vem do começo do século 20, quando todos os cientistas achavam que já tínhamos atingido o ápice, que nada mais poderia ser inventado. Aí surgiu na física a física quântica, que é uma física completamente nova. Aparece o Princípio da Incerteza de Heinsenberg, que afirma que você não pode determinar com precisão ao mesmo tempo a velocidade e a posição de um elétron. Na matemática, aparecem os teoremas de Gödel, que dizem que um sistema vai conter informações dentro dele que você não pode provar como verdadeiro, nem como falso. É uma loucura.

Com isso, as artes e outras áreas começam a ser afetadas também. Daí você tem o surrealismo e outros movimentos que são influenciados por estas incertezas que rondam o mundo. Acho isso bonito porque mostra como o as produções humanas caminham juntas, tudo faz parte de uma coisa única, que é o conhecimento e a sabedoria que o homem vai acumulando ao longo do tempo.

E como você avalia a divulgação da ciência no Brasil?
Temos divulgadores muito bons por aqui. No Facebook, por exemplo, o ICMC, tem uma coisa chamada Seminário de Coisas Legais, que são seminários dados por graduados ou pós graduados que tem a mesma ideia do FameLab, de tratar de temas complexos de forma descontraídas.

Também não posso deixar de agradecer aos mestres que sempre me incentivaram a aprender mais. Aqui no instituto, temos a Maria Aparecida Soares Ruas, uma matemática de fama mundial, uma das pessoas mais incríveis e geniais que conheço. Ela é muito acessível e sempre estimula todo mundo a aprender mais. É a partir de exemplos como este da Cidinha, como a gente a chama, que a gente acaba contamidado por este amor à ciência e acaba querendo aprender mais. 


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